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Contrariamente ao que sucedeu nos vales do Sado e Tejo, as oficinas onde se produziram as ânforas Lusitanas no Algarve não beneficiaram de um projecto de investigação que permitisse a sistematização da caracterização petrográfica e química dos seus fabricos. Apesar disso, existe alguma informação que se procurou sintetizar.

Visual characteristics

Na monografia dedicada às produções anfóricas sadinas, F. Mayet, C. Tavares da Silva e mais concretamente A. Schmitt, desenvolveram análises petrográficas com recurso ao microscópio polarizante, com o objectivo de definir as características das oficinas do Vale do Sado, do Tejo e da costa algarvia (MAYET, SCHMITT & SILVA, 1996, 121-165).

A caracterização macroscópica das pastas do Martinhal, é assim apresentada: “(...) b. Aspect a l’oeil nu. La pâte est homogéne et compacte. Elle est bien caracterisée par la présence de nombreux nodules arrondis rouges (grains d’oxydes) et blancs (fragments de calcaire). Le dégraissant grossier est abondant; c. Nature des inclusions: le dégraissant est composé de grains de quartz, feldspaths alcalins, feldspaths plagioclases, nodules arrondis d’oxydes, nodules de calcite abondants ainsi que quelques fossiles. d. Granulometrie des inclusions. L’Abondance moyenne de grains est de 24 %. La fraction fine est trés peu représentée par rapport à une fraction grossière calibrée” (MAYET, SCHMITT & SILVA, 1996, 156-158).

Segundo A. Schmitt, as produções da oficina de S. Bartolomeu de Castro Marim apresentam “b. Aspect a l’oeil nu. La pâte de couleur orangée contient de nombreux nodules arrondis d’oxydes brun-rouge. Les inclusions, de petit taille, sont peu abondantes. C. Nature des inclusions. La fraction sableuse contient essentiellement des quartz et feldspaths alcalins. On note également des grains d’oxydes, des fragments de roches granitiques et de roches métamorphique, et paillette de muscovite. D. Granulometrie des inclusions. Les inclusions sableuses représentent en moyenne 13 % de la pâte. La granulométrie est continue. Ceci pourrait signifier l’emploi d’une argile naturellement dégraissée, sans ajout intentionel du potier. On note parfois un grain isolé de trés grande taille” (MAYET, SCHMITT & SILVA, 1996, 160-162).

Numa observação macroscópica, verifica-se que as ânforas da Manta Rota foram produzidas numa argila não calcária, cozida em modo A, com cerca de 15/20% de elementos não plásticos constituídos por quartzo muito abundante, estando aparentemente ausentes os nódulos de ferro. A classificação das inclusões é boa e a secção pequena e de rolamento subrolado a rolado. A pasta é de cor alaranjada (Munsel 5YR 6/8) e a superfície, que apenas ostenta um alisamento simples, é igualmente alaranjada (Munsel 7.5 YR 6/8) (Viegas, 2006, 187).

Petrology

O estudo dos conjuntos anfóricos provenientes do Vale do Sado privilegiou a análise petrográfica com microscópio polarizante, com o objectivo de definir não só as características das oficinas sadinas, mas também de proceder à comparação com as do Tejo e da costa algarvia (MAYET, SCHMITT & SILVA, 1996, 121-165).

Do Algarve foram submetidos a análise amostragens de 11 exemplares do Martinhal, 14 da Quinta do Lago e 9 de Castro Marim. Se permanece difícil a distinção dos fabricos do Tejo e Sado, devido ao facto das suas oficinas se encontrarem num contexto geológico muito próximo, o mesmo não sucede com o território algarvio, que apresenta características distintas, sendo também possível identificar marcadores que diferenciam os três centros produtores. No Martinhal dominam os calcários jurássicos com veios argilosos, enquanto que na Quinta do Lago as areias plistocénicas são intercaladas com argilas. Quanto a S. Bartolomeu de Castro Marim, situa-se no limite das formações primárias e das formações sedimentares plistocénicas (MAYET, SCHMITT & SILVA, 1996, 162-164).

Apesar das amostras do Martinhal analisadas corresponderem a exemplares de Almagro 51c, podemos suspeitar que as argilas utilizadas na produção de ânforas Dressel 14 teriam sido idênticas. Assim, nas inclusões identificadas, que assumem uma percentagem de 24%, regista-se a presença de quartzo, feldspatos plagióclases, numerosos óxidos arredondados, abundantes nódulos de calcite, assim como alguns fósseis desengordurantes. Já em S. Bartolomeu de Castro Marim as inclusões correspondem a 13% e são constituídas por quartzo, feldspatos alcalinos, moscovite, grãos de óxidos e fragmentos de rochas metamórficas de granulometria contínua (MAYET, SCHMITT & SILVA, 1996, 162).

Tendo por base a inventariação dos depósitos argilosos da Bacia Algarvia e do soco Carbonífero, Maria José Trindade efectuou a caracterização mineralógica e geoquímica das argilas do Algarve (TRINDADE, 2007), a partir de um conjunto numeroso de amostras de argilas que recolheu em formações geológicas distintas do Algarve. Posteriormente sujeitou essas mesmas amostras a aquecimento, com vista a simular o processo de cozedura (temperaturas entre 300 e 1200o C), partindo destes resultados para o desenvolvimento de estudos arqueométricos. A metodologia aplicada possibilitou estabelecer grupos de referência que, no futuro, poderão ser confrontados com os dados dos centros de produção antigos da região algarvia (TRINDADE, 2007). A investigação tem prosseguido com análises aplicadas a grupos específicos de argilas da região algarvia, mostrando o elevado potencial dos estudos realizados (TRINDADE et alii, 2009, 345-355).

Geoquímica

Do conjunto de sítios que produziram ânforas no território algarvio, até ao momento, apenas a produção da Manta Rota foi caracterizada do ponto de vista mineralógico e geoquímico pela equipa do ITN, liderada por Isabel Dias (DIAS et alii, 2009, 83-91). A homogeneidade do ponto de vista da caracterização geoquímica permitiu corroborar o que a evidência arqueológica já havia proposto, indicando que se trata efectivamente de um centro produtor de ânforas (Dressel 14 e Almagro 51c) e de cerâmica comum.
Através da difracção de Raio-X e espectrometria procedeu-se à caracterização mineralógica, que produziu os seguintes resultados: “The mineralogical associations found for the sherds point to a relative homogeneous composition, mainly with quartz, plagioclases, k-feldspars, phyllosillicates, micas, iron oxides (hematite), and traces of carbonates (calcium and magnesium rich).” (Dias et alii, 2009, 88).

A análise química foi realizada através da activação de neutrões no ITN de Sacavém e permitiu registar uma grande homogeneidade relativamente à produção da Manta Rota, ainda que algumas amostras apontem para ligeiros desvios. A maioria pertence a apenas um grupo “(…) being in general, slightly enriched in Na, Fe, Zr, REE, Hf, Ta and Th. All the REE patterns are characterized by a differentiation between light REE (LREE) and heavy REE (HREE), and negative Ce and Eu anomalies with different degrees, being the last ones more strong. An enrichment of LREE compared to medium REE (MREE) and HREE occur, which is in accordance with mineralogy, namely the presence of plagioclase, which tends to accommodate more LREE. Eu anomaly is more pronounced in the presence of higher contents of plagioclase due to the Eu2+ substitution for Ca2+. Also the presence of carbonates, especially calcium rich, explains this behavior.” (DIAS et alii, 2009, 88). No entanto, entre os fragmentos analisados, três amostras de Dressel 14 e duas Almagro 51C apresentam uma composição diferente do grupo de referência da Manta Rota.

No trabalho recente acerca da olaria do Martinhal, indica-se que 25 amostras de ânforas foram sujeitas a análise para caracterização química no Laboratório de Análises Químicas TecMinho6, tendo revelado um fabrico idêntico ao já anteriormente descrito por A. Schmitt (BERNARDES et alii, 2013, 326).