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Ines Vaz Pinto, João Pedro Almeida, «Sado 1 (Western Lusitania)», Amphorae ex Hispania. Landscapes of production and consumption (http://amphorae.icac.cat/amphora/sado-1-western-lusitania), 09 July, 2016

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A Sado 1 é uma ânfora de grande dimensão, destinada ao transporte de preparados piscícolas, que se pode considerar a maior ânfora lusitana e uma das mais importantes do vale do Sado durante o Baixo Império.

Figura 1: Sado 1 com abertura para deposição de cadáver (Sepultura 89). Necrópole da Caldeira, Tróia. Conservada no Museu Nacional de Arqueologia (Inv. nº 991.1.4, foto João Almeida).

Na Lusitânia Ocidental, e mais precisamente no vale do Sado, esta ânfora foi identificada pela primeira vez na região de Setúbal, tanto na área urbana como no destruído sítio de produção da Quinta da Alegria, e publicada em 1978 e 1979 como “forma aff. Beltrán 56/Almagro 50”. Esta classificação conciliava as suas semelhanças quer com as ânforas “Africana Grande” -Beltrán 56- (lábio alto de secção almendrada, secção elíptica da asa, colo de tendência troncocónica alargando na base e com tendência a estrangular na parte superior), quer com as Almagro 50 (igualmente a forma do colo e a asa partindo directamente do lábio sem contorno em orelha) (Coelho-Soares e Silva, 1978 e 1979).

Dois bordos recolhidos em Tarragona, e integrados por S. Keay na sua tipologia (fig. 2, nº 2), deram a esta ânfora a designação de Keay LXXVIII (Keay 1984) que tem sido bastante utilizada. No entanto, baseia-se em peças com fabrico considerado do Norte da Tunísia, cuja descrição (cor vermelho escuro a vermelho arroxeado com cristais de quartzo, pequenas cavidades brancas ou anéis de calcário, pequenos grãos de argila e mica, e engobe esbranquiçado (Keay 1984, 369, 373 e 447) não corresponde aos fabricos do vale do Sado. É muito provável, pela forma, que sejam lusitanas, mas a caracterização da Keay LXXVIII não mostra a complexidade nem ilustra a evolução tipológica desta ânfora, razão pela qual esta designação não é satisfatória.

Figura 2: Sado 1 segundo Cardoso, 1986 (nº1) ; segundo Keay (1984) nº 2

G. Cardoso publicou exemplares deste tipo de ânfora de fornos do vale do Sado (fig.2, nº1), designando-o de forma 91 (Cardoso, 1986), e A. Dias Diogo integrou este tipo na sua tipologia como Lusitana 8, considerando tratar-se de uma ânfora piscícola, de fabrico apenas atestado nos fornos do Sado, e ilustrou com o desenho de um exemplar inteiro (fig.1 ; fig.3, nº 8; Diogo, 1987), hoje identificado como proveniente da sepultura 89 da Necrópole da Caldeira de Tróia (Almeida, 2008, 54, Est. XXXVI).

Figura 3: Sado 1 (=Lusitana 8). Tipologia das ânforas lusitanas, segundo Diogo (1987)

Na década de 90, as escavações dos centros de produção oleira do Pinheiro e de Abul, no vale do Sado, permitiram recolher um grande número de fragmentos desta ânfora, de contextos com cronologias distintas, que permitiram perceber a sua evolução. F. Mayet e C. Tavares da Silva propuseram uma nova designação, Sado 1, para este tipo de ânfora e definiram duas variantes, A e B, que se sucedem no tempo (Mayet e Silva, 1998, 150-151; Étienne e Mayet, 2002, 149-151; fig. 4).

Figura 4: Ânfora Sado 1, variante A (nº 1) (Mayet e Silva, 1998, 144) e ânfora Lusitana 8/Sado 1, variante B (nº 2) (Diogo, 1987, 189; Mayet, Schmitt e Silva, 1996, 21)

O recente estudo da necrópole da Caldeira de Tróia, escavada entre 1948 e o final da década de 60 do séc. XX,  mas só recentemente publicada (Almeida, 2008), onde esta ânfora teve um uso preferencial em sepulturas infantis (Almeida, no prelo), permitiu identificar vários exemplares inteiros ou grandes fragmentos, em reserva no Museu Nacional de Arqueologia (fig. 5).

Figura 5: Ânforas Sado 1 da Necrópole da Caldeira de Tróia. 1-7 (Almeida, J. , no prelo); 8 (inédita, desenho A.P.Magalhães)

Trata-se de uma ânfora de grande dimensão, que pode atingir os 0,90 m de altura (fig. 5, nº 8), com um corpo cilíndrico bastante largo que estreita abruptamente no topo para formar um colo muito curto ou quase inexistente, mas relativamente largo, e estrangulado na parte superior, com um bordo igualmente curto, com cerca de 13 a 15 cm de diâmetro exterior, desproporcionado em relação à dimensão da ânfora. As asas são curtas e espessas, mas menos espessas na parte inferior, de secção oval ou circular, com um perfil que não ultrapassa um quarto de círculo, e partem do bordo e assentam, por vezes com um acrescento de pasta, no ombro descaído da ânfora.

O bordo é o principal factor de distinção das variantes. Na variante A é geralmente alto e levemente aberto, de secção regular mas encurvado e com tendência a introverter à altura do lábio, que pode ser levemente espessado. Na variante B é extrovertido e espessado, de secção amendoada ou oblonga, formando uma muito ligeira moldura no exterior.

Outra das características marcantes desta ânfora é o típico fundo em botão, de forma genericamente cilíndrica ou levemente troncocónica, bilobado e que pode apresentar estrias ou sulcos. Os fundos que acompanham os bordos da variante A são geralmente ocos, mas podem ser preenchidos, enquanto os da variante B são tendencialmente maciços mas nem sempre. 

Um exemplar com características anómalas é a ânfora nº 3 (fig. 5) que no seu terço superior se identifica perfeitamente com a Sado 1, var. B, mas o seu corpo estreita e afunila, lembrando a  forma Almagro 51c, var. C. O fundo liso e arredondado também é distinto dos habituais fundos bilobados ou moldurados (Almeida, 2008; Almeida, no prelo). Também a ânfora nº 8 (fig. 5) tem um fundo fora do habitual, cilíndrico sem relevo.

Os exemplares de contextos definidos das olarias de Abul e, sobretudo, do Pinheiro permitem traçar a evolução desta ânfora.

Em meados e na segunda metade do século III, a ânfora Sado 1 distingue-se pelo seu bordo alto e levemente aberto e encurvado, de topo muitas vezes plano, e com a secção de espessura relativamente regular, mas por vezes com o lábio levemente espessado. O fundo bilobado ou moldurado é tendencialmente oco, mas não nos exemplares mais antigos provenientes de Abul (fig. 6, nº 8).

Figura 6:Bordos e fundos de Sado 1, variante A de meados e segunda metade do século III (nº 1 e 8 – Abul, Mayet e Silva,2002, fig. 104, nº 59 e 60; nº 2-7 e 9-11 - Pinheiro; Mayet e Silva, 1998, fig. 64, nº 95, 98-100 ; 106-107 e 102-103; 105)

Na primeira metade e em meados do século IV aparecem exemplares de transição entre as variantes A e B e que são por vezes apontados como variante A/B. Têm o bordo geralmente mais curto, levemente aberto, direito ou encurvado como na fase anterior, mas agora mais espessado e por vezes já com tendência a amendoado. O fundo continua a ser frequentemente oco mas tende a ter mais relevo no exterior.

Figura 7: Sado 1, variante A/B da primeira metade e meados do século IV (nº 1-8 Pinheiro; Mayet e Silva, 1998, fig. 91, nº 119-120, fig. 95, nº 138, fig. 96, nº 144 e 146, fig. 107, nº 260-261, fig. 108, nº 267)

Desde meados do século IV, e até ao início do século V, surgem os bordos extrovertidos nitidamente amendoados ou muito espessados, que são o traço característico da variante B. Os fundos conservam a forma em botão bilobada ou estriada e tendem a ser preenchidos (fig. 7).

Figura 8:Sado 1, variante B de meados do século IV a inícios do século V da olaria do Pinheiro (Mayet e Silva, 1998, fig. 99, nº 166-169, fig. 100, nº 175 e 177, fig. 108, nº 263 e 266, fig. 114, nº 1, fig. 120, nº 42)

Nos contextos da primeira metade do século V, a ânfora Sado 1 torna-se rara mas está ainda presente. Surgem alguns exemplares de menor dimensão que se enquadram ainda na variante B (nº 1-2, fig. 8) e outros considerados uma variante tardia, com a asa a partir do meio do bordo e o fundo ainda moldurado mas de uma forma algo diferente (nº 3-4, fig. 8).

Figura 9: Sado 1 da primeira metade do século V da olaria do Pinheiro: variante B (nº 1-2; Mayet e Silva, 1998, fig. 139, nº 99-100) e variante tardia (nº 3-4; Mayet e Silva, 1998, fig. 132, nº 4-5)

As características morfológicas da Sado 1, e em particular o grande corpo cilíndrico com um colo muito curto e as paredes relativamente finas, marcam uma ruptura na tradição anfórica do vale do Sado, tendo esta ânfora surgido depois de uma quebra generalizada na produção anfórica desta região no final do século II e o início do III d.C., que coincide com o término da produção do tipo Dressel 14 (Mayet e Silva, 1998). Depois desta fase de instabilidade económica na região, a partir da segunda metade do séc. III d.C., esta ânfora surge a par de outras novas formas, em especial da Almagro 51c, var. B.

Embora lhe tenham sido reconhecidas afinidades com o tipo Almagro 50 ao nível do colo e das asas, a morfologia da Sado 1 é original e terá sido uma criação lusitana, originária do vale do Sado (Mayet e Silva, 1998, p. 155).

O cálculo da capacidade de seis exemplares (abaixo ilustrado na fig. 10), provavelmente todos da variante B, revelou que, em termos de tamanho, poderá haver dois módulos desta ânfora. Um módulo mais comum com uma capacidade entre 35 e 48 litros, ou seja, 42 litros em média, e um módulo maior representado apenas pela ânfora nº 8 (fig. 5) que ultrapassa os 60 litros, comportando mais 50% do que o módulo normal.

A grande capacidade desta ânfora aponta para uma produção focada na quantidade, e sugere um esforço de produção no vale do Sado, e em especial no sítio de Tróia, onde é muito frequente, representando cerca de 10% das ânforas regionais aí recolhidas (Almeida et al. no prelo). Tendo em conta que duplica a capacidade de uma Almagro 51c, esta ânfora terá sido mais importante na economia regional do que a sua contagem unitária indica.

O único sítio de produção fora do vale do Sado onde até agora se identificou esta forma de ânfora é o centro oleiro do Martinhal (Sagres), na Lusitânia meridional, onde se recolheram alguns fragmentos de bocal de pequenas dimensões afins à forma Sado 1, variante A que, pela sua proximidade à Almagro 50, foram publicados como pertencendo a essa forma (Silva, Soares e Correia, 1990, 243, fig. 73, nº 1 e 245, fig. 75, nº 1-3) e, mais recentemente, como Martinhal 2, variante B -sendo a variante A equivalente à Almagro 50- (Bernardes, Morais, Pinto e Dias, 2013).