A ânfora Dressel 14 corresponde ao contentor de preparados piscícolas que teve maior volume de produção e distribuição no período alto imperial na Lusitânia, conhecendo uma ampla difusão nos sítios romanos com carácter rural (villae alentejanas), mas também nos contextos urbanos e de carácter artesanal/industrial. Na geografia da distribuição deste contentor, reconhece-se igualmente uma exportação para diferentes regiões da bacia do Mediterrâneo e para as províncias do Norte. Para a cidade de Roma, os dados de Ostia mostram o peso destas ânforas ao longo da estratigrafia das termas do Nadador, particularmente relevante até finais do séc. II (Panella, 1972).
Igualmente útil para reconhecer as linhas em que se movimentou esta comercialização, é a informação dos naufrágios. Infelizmente, o facto de muitos autores considerarem esta ânfora como Hispânica e não se demorarem na descrição do seu fabrico, impossibilita certificarmo-nos se se referem a exemplares béticos ou lusitanos.
A listagem de ocorrências de naufrágios com ânforas lusitanas Dressel 14 encontra-se em permanente actualização, contando com a informação de Parker (1992) e com os dados mais recentes recolhidos por Étienne e Mayet (2002, 189 e ss.). De um modo geral, pode afirmar-se que os locais onde ocorrem exemplares de ânforas Dressel 14 lusitanas se encontram na costa da Catalunha, nas ilhas Baleares (Ibiza), nas costas da Gália e de Itália, e no estreito de Bonifácio. Igualmente significativo é o facto de se encontrarem frequentemente as produções lusitanas (Dressel 14) em associação com os tipos béticos, como sucede, por exemplo, no naufrágio Lavezzi 1, a Sul da Ilha de Córsega.
Reconhecendo que a documentação acerca da distribuição das ânforas lusitanas para as regiões mais setentrionais do império é ainda escassa, C. Fabião coligiu alguns dados que apontam para a sua presença no Noroeste da Península Ibérica (Galiza), e justificou a sua aparente residualidade nas Ilhas Britânicas com a insuficiente investigação (Fabião, 2009, 64-65).
Além da exportação, deve igualmente valorizar-se uma difusão que teve como destino o mercado interno da Lusitânia. Como exemplo desta realidade temos o abastecimento às villae alentejanas de Dressel 14, que correspondem a quase 30 % das ânforas dos séculos I e II na villa do Monte da Cegonha, atingindo os 73 % em S. Cucufate, e mesmo os 90 %, na villa romana da Tourega (Pinto e Lopes, 2006).
Quando abordamos a informação existente para os núcleos urbanos, os dados da cidade de Conimbriga mostram que as ânforas Dressel 14 constituem 22,6 % do total das ânforas alto-imperiais recuperadas na cidade (Alarcão, 1976; Buraca, 2005). Em Bracara Augusta, do conjunto estudado que se enquadra maioritariamente no alto império, correspondente a 272 exemplares de ânforas piscícolas (o que constitui 18,67 % do total das ânforas analisadas), cerca de 60 % pertencem à forma Dressel 14, distribuídas pelas suas diferentes variantes (Morais, 2006).
Em Tróia, o principal centro produtor de preparados piscícolas da Lusitânia, as ânforas Dressel 14 são o contentor por excelência utilizado no transporte deste tipo de produtos, na segunda metade do séc. I e durante o séc. II (Almeida et alii, no prelo). Os dados da mais recente investigação neste sítio apontam para que 89 % das ânforas regionais de Tróia, do séc. I a meados do séc. III, se integrem no tipo Dressel 14, concretamente nas variantes B e C (Almeida et alii, no prelo).
Igualmente interessante é a situação observada para a cidade capital da província, Mérida. A informação já conhecida por Mª Nieves Calderón (Calderón, 2002, apud Almeida e Sánchez Hidalgo, 2013), foi recentemente acrescida com os dados evidenciados por R. de Almeida e F. Sánchez Hidalgo sobre o sítio Cuarteles Hernán Cortés. Assim, os autores deste estudo preliminar destacam a importação dos produtos da Lusitânia, sobretudo a partir do séc. II, com a Dressel 14 a adquirir especial destaque: “De esta forma, se puede considerar que es a partir de la segunda mitad del siglo I / momentos iniciales del siglo II d.C. que se opera de forma generalizada el consumo de las salazones lusitanas en detrimento de las Béticas. Esta tendencia será irreversible y se verá totalmente consolidada entre los siglos III y V d.C.” (Almeida e Sánchez Hidalgo, 2013, 56).
Na área mais meridional do território hoje português (Lusitania meridional) assinala-se um comportamento distinto, com uma clara minoria das produções de âmbito local / regional lusitanas face às importações massivas de ânforas que transportaram preparados piscícolas da vizinha Bética costeira. Ausente dos conjuntos estudados de Faro, a Dressel 14 lusitana encontra-se escassamente representada em Castro Marim (antiga Baesuri) e em Torre de Ares (antiga Balsa), correspondendo a apenas 2 % e 6,6 % do total de ânforas do Alto Império, respectivamente (Viegas, 2011). Os dados recolhidos por E. Garcia Vargas em Sevilha (Hispalis), indicam igualmente que as ânforas lusitanas (Dressel 14) são pouco abundantes nos contextos alto-imperiais, registando-se mesmo a ausência de fabricos que podem atribuir-se às produções algarvias -da Lusitânia meridional- (García Vargas, 2007).
Contudo, o quadro acerca da distribuição da ânfora Dressel 14 é ainda muito incompleto e conhecerá certamente importantes alterações num futuro próximo, com a publicação de novos dados quer no “mercado interno“ da Lusitânia que consideramos ter sido um destino importante destas produções, quer enquanto exportação para paragens mais longínquas.
Vários elementos podem ser analisados quando se procura atribuir um determinado conteúdo a uma ânfora. A utilização do pezgamento no interior como forma de impermeabilizar o recipiente, a localização dos fornos, o estudo dos resíduos preservados no interior das ânforas e as inscrições pintadas nos recipientes (tituli) correspondem aos principais dados a considerar quando se desenvolve este tema, a que pode também juntar-se a própria forma da ânfora, assim como a informação da toponímia (Étienne, 1990; Fabião e Guerra, 1993).
A informação disponível indica-nos que as ânforas Dressel 14 transportaram preparados piscícolas. São particularmente relevantes os exemplares de Dressel 14 encontrados em Roma, onde está documentada a presença de tituli indicando liquamen (três exemplares provenientes da Domus Aurea no CIL XV 4714, 4716 e 4717, apud Étienne, 1990, 16) e muria (CIL XV 4729).
Segundo R. Étienne, a relação da toponímia com a geografia da produção de preparados piscícolas, particularmente na área do Sado, constitui outra prova para a atribuição de um conteúdo piscícola. Para este autor, na raiz de topónimos como Salacia, a actual Alcácer do Sal, e Caetobriga, que localiza em Setúbal ou Tróia, estão actividades relacionadas com o sal e/ou a transformação dos recursos marinhos (Étienne, 1990, 18).