A maior parte da epigrafia anfórica registada na Lusitânia encontra-se na fase mais antiga da produção e, particularmente, nesta forma de ânfora, sendo a compilação mais recente que nos serviu de base à redacção destas linhas, da autoria de C. Fabião e de A. Guerra (Fabião e Guerra, 2004).

No que respeita a marcas impressas, a epigrafia anfórica não está documentada nas produções antigas do estuário do Tejo, encontrando-se apenas nos contentores provenientes dos centros produtores do estuário do Sado, nomeadamente do Zambujalinho, Quinta da Alegria, Herdade do Pinheiro, Xarrouqueira/Vale da Cepa e Herdade da Barrosinha (idem).

A produção de ânforas do Morraçal da Ajuda (Peniche) apresenta igualmente marca de oleiro, ainda que não seja para já clara a sua associação à forma Dressel 14 (Cardoso, Rodrigues e Sepulveda, 2006, 253-278).

Relativamente às marcas de ânforas Dressel 14 do Zambujalinho (fig. 3), Marateca (Palmela), conhecem-se actualmente dez marcas, o que torna este centro produtor no local que apresenta o conjunto epigráfico mais numeroso:

1) …NTENVS uel …NTERNVS (Fernandes e Carvalho, 1993, n.º 87, 38-39; Fabião e Guerra, 2004, 231);
2) VP (Fernandes, 1996, nº 17, 84 e 105, fig. 12; Fabião e guerra, 2004, 230);
3) …VSTA, …VRTA, F(¿)ASTA (Fabião e Guerra, 2004, 230);
4) ER uel BR uel POR(B retro) (Fabião e Guerra, 2004, 230);
5) T (Fabião e Guerra, 2004, 230);
6) C (Fabião e Guerra, 2004, 230);
7) C-R (Fabião e Guerra, 2004, 230);
8) ANT uel AVT (Fabião e Guerra, 2004, 230);

Todas as marcas: directa, cartela simples, in ansa (2, 4, 7, 8) ou in ansa (?) (1, 3, 5, 6), litt. stantibus. Destaca-se o facto de várias marcas apresentarem apenas uma letra ou conjuntos de letras com nexos, o que torna este conjunto distinto dos restantes da região, que privilegiam o tria nonima (Fabião e Guerra, 2004, 230).

Figura 3 – Marcas de oleiro do Zambujalinho.
1. Segundo Fernandes e Carvalho (1993, 39, estampa 6, n.º 87);
2. Segundo Fernandes e Carvalho (1996, 105, fig. 12, n.º 17)

Do centro produtor da Quinta da Alegria (Setúbal) regista-se apenas uma marca:

1) M directa, cartela simples, in flexo, litt. stantibus (Coelho-Soares e Silva, 1979, fig. 5, nº 1 e Est. II, nº 11; Fabião e Guerra, 2004, 231). Esta marca relaciona-se com uma outra, MO proveniente da área urbana de Setúbal (Coelho-Soares e Silva, 1978, fig. 4, 1-2), conhecendo-se vários exemplares de diversos sítios do Vale do Sado (Mayet, Schmitt e Silva, 1996), embora não haja a certeza de que a sua proveniência seja a Quinta da Alegria (Fabião e Guerra, 2004, 232).

Dos fornos da Herdade do Pinheiro (Alcácer do Sal; fig. 4,3) conhece-se apenas uma marca impressa ainda que os grafitos sejam bastante abundantes (Mayet e Silva, 1998, 65, figs. 34 e 35):

1) FB directa, cartela simples, in flexo, litt. stantibus (Idem, 104, fig. 34; Fabião e Guerra, 2004, 233).

No sítio da Xarrouqueira/Vale da Cepa (Alcácer do Sal; fig. 4,4), por vezes indevidamente designado por Enchurrasqueira, foram identificadas marcas impressas em ânforas, assinalando-se que em dois casos a letra inicial se repete (Fabião e Guerra, 2004, 233-234). Apresentam as seguintes características:

1) LV… (Diogo et alli, 1984, 9, Est. I, nº 2, e Est VI, nº 2);
2) GIP (Diogo, 1996, 68, Est. 1, nº 3);
3) LIA (Diogo, 1996, 69, Est. 2, nº 8).

Todos os exemplares: directa, cartela simples, in flexo, litt. stantibus (Fabião e Guerra, 2004, 233-234).

Os fornos da Herdade da Barrosinha (Alcácer do Sal; fig. 4, 5-6) ofereceram “numerosos exemplares de duas marcas, com diversos punções” (Fabião e Guerra, 2004, 234). Trata-se das marcas:

1) MAMVS uel MANVNS (Vasconcellos, 1898, p. 113; Diogo, Faria e Ferreira, 1987, 98, Est. XII, nº 12 a 14; Diogo e Faria, 1990, 179, fig. 46, 1-2 e fig. 47, nº 5; Fabião e Guerra, 2004, 234);
2) DMT uel TMC retro (Diogo, 1980, 149; Diogo e Faria, 1990, Est. I, nº 1; Diogo, Faria e Ferreira, 1987, p. 86, Est. IV, nº 1, 7-10, e Est. X, nº 7 e 10; Fabião e Guerra, 2004, 334).

Ambas directas, cartela simples, in flexo, litt. Stantibus; a segunda possui dois exemplares in radice ansae.

Figura 4 – Marcas de oleiro.
1 e 2. Área urbana de Setúbal (segundo Coelho-Soares e Silva, 1978, estampa IV, n.º 24 e estampa V, n.º 35);
3. Herdade do Pinheiro (segundo Mayet e Silva, 1998, 104, fig. 34, n.º 1);
4. Xarrouqueira / Vale da Cepa (segundo Diogo, 1996, 68, estampa I, n.º 3);
5 e 6. Herdade da Barrosinha (segundo Diogo e Faria, 1990, 179, fig. 46, n.ºs 1 e 2)

Por fim, no centro produtor do Morraçal da Ajuda (Peniche) regista-se a presença de uma marca que possui punções distintos, todos pertencentes ao mesmo oleiro, L. ARVENI RVSTICI, impressa no colo de exemplares de distintas formas anfóricas (directa, in colo, litt. stantibus), sobretudo nas que se aproximam do tipo Dressel 7/11 (Cardoso, Rodrigues e Sepulveda, 2006, fig. 19). Não é claro que a Dressel 14 produzida neste local apresente evidência de ter tido a mesma marca.

Outra manifestação epigráfica relevante nas ânforas Dressel 14 da Lusitânia ocidental é a dos grafitos ante cocturam aplicados nos fundos de um número significativo de peças (fig. 5), ainda que se desconheça a sua proporção relativamente aos valores da produção de uma determinada olaria (Fabião e Guerra, 2004, 236; Mayet e Silva, 2002, 108).

Ao contrário das marcas, localizadas na parte superior das peças e destinadas ao circuito de comercialização das mesmas e dos respectivos conteúdos, os grafitos teriam sentido apenas no âmbito interno das olarias, para organização da produção na fase de secagem entre o torneado e a cozedura (Fabião e Guerra, 2004, 236; Mayet e Silva, 2002, 108-109).

Existindo evidências de que nessa fase as ânforas secariam apoiadas sobre a boca, os grafitos eram aplicados e lidos com estas invertidas, incluindo uma grande diversidade de símbolos, principalmente numéricos e alfabéticos, ainda que a sua leitura não seja consensual (vejam-se as diferentes abordagens de Fabiãao e Guerra, 2004 e de Mayet e Silva, 2002, 109-110).

A presença deste tipo de grafitos é generalizada nas olarias do Tejo e do Sado, com grande destaque para os conjuntos do Porto dos Cacos, no Tejo (ver Raposo, 1990, figs. 29, 30 e 33), e de Abúl, no Sado (ver Mayet e Silva, 2002, figs. 71 a 78).

À excepção de Abúl, os grafitos numerais são mais abundantes, com um repertório “pouco variado” mas de aparente “lógica determinada” (Fabiãao e Guerra, 2004, 239), em clara afinidade com situação também registada nos grafitos de origem bética: “uso de um grupo restrito de numerais”, organizado em dois conjuntos, “o das primeiras dezenas e a sequência a partir de cem”, com predomínio de “múltiplos de 5 e de dez” (Idem, 243).

Os grafitos alfabéticos estão particularmente bem representados em Abúl e no Porto dos Cacos. Por contraste com os numéricos, têm um repertório muito diversificado, que inclui quase todo o alfabeto, em larga maioria com um símbolo único, mas também com combinações de dois símbolos ou, raramente, de três (Fabião e Guerra, 2004, 239-240; Mayet e Silva, 2002, 109). É aqui evidente a distinção com os achados béticos, onde este tipo de signos isolados ou em grupo é raro e pouco variado (Idem, 242).

Há ainda uma percentagem razoável de grafitos de interpretação ambígua, dada a especificidade paleográfica destes materiais e o estado fragmentário e incompleto de muitos deles (Fabiãao e Guerra, 2004, 240). No entanto, são característicos os tridentes, os serpenteados e as palmas, motivos que voltam a encontrar paralelo na Bética e reforçam a afinidade que podemos constatar entre as produções alto-imperiais desta região e da Lusi-tânia (Idem, 243).


Figura 5 – Grafitos ante cocturam aplicados nos fundos
de Dressel 14 lusitanas do Porto dos Cacos (Tejo) e de Abúl (Sado).
1 e 2. Grafitos alfabéticos (segundo Raposo, 1990, 147, fig. 33, n.º 17
e Mayet e Silva, 2002, 149, fig. 71, n.º 101).
3, 4 e 5. Grafitos numerais (segundo Raposo, 1990, 147, fig. 33, n.º 29
e Mayet e Silva, 2002, 156, fig. 78, n.ºs 225 e 223).
6 e 7. Grafitos com outros símbolos (segundo Mayet e Silva, 2002, 156, fig. 78, n.ºs 228 e 229)

Também nas ânforas do Morraçal da Ajuda (Peniche) há evidência de grafitos ante coctorum, com representação de sinais alfabéticos, numerais ou simples traços no bico fundeiro (Cardoso, Rodriguez e Sepúlveda, 2006, 271, fig. 24), ainda que, tal como nas marcas impressas, subsista alguma incerteza na atribuição destas manifestações epigráficas a exemplares de Dressel 14.